Resgate da cultura e geração de renda
Como os cursos do SENAR-SP estão impactando a vida dos moradores do Quilombo do Jaó, em Itapeva
“As aulas são muito importantes pois estamos aprendendo a agregar valor ao que fazemos, para gerar renda, e redescobrindo a nossa cultura”. Esta é a avaliação de Kemilin Martins, que faz parte do grupo de 12 alunos do programa de Turismo Rural que está sendo desenvolvido no Quilombo do Jaó, em Itapeva, pelo Sindicato Rural da cidade em parceria com o SENAR-SP (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). O Programa se iniciou em fevereiro e vai até dezembro, abrindo janelas para o conhecimento e novas perspectivas para um povo que merece ser respeitado e valorizado.
Segundo dados da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – “José Gomes da Silva” – (ITESP), são 36 comunidades remanescentes de quilombos em todo o estado. Cerca de 1,4 mil famílias vivem nessas comunidades, localizadas em 14 Municípios: Eldorado, Iporanga, Jacupiranga, Salto de Pirapora, Ubatuba, Barra do Turvo, Itapeva, Cananeia, Iguape, Capivari, Itatiba, Itaóca, Miracatu e Registro. No Brasil são 3.447 comunidades quilombolas, distribuídas por todas as regiões, segundo a Fundação Cultural Palmares. Elas são remanescentes de um grupo étnico-racial – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana – formado por descendentes de escravos fugitivos durante o período de escravidão no país. Os quilombolas se autodefinem a partir das relações específicas com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e as práticas culturais.
O Quilombo do Jaó é constituído por cerca de 450 pessoas, divididas em 53 famílias. “Um dos principais ganhos que os cursos do SENAR trazem para os quilombolas dessa comunidade é o resgate da autoestima”, analisa a instrutora Fanny Paulina. Ela se considera privilegiada por estar em contato com alunos tão interessados, que valorizam cada novo ensinamento. No curso de turismo rural, eles estão aprendendo conceitos como oportunidades de empreendimento, identidade e cultura, ponto de venda de produtos e resgate gastronômico.
Riqueza no artesanato
Fanny já tinha estabelecido contato com quilombolas no ano passado, ministrando o curso de comercialização do produto turístico na cidade de Itararé, que contou com a participação de alguns membros do Quilombo do Silvério. Mas ir até eles, mergulhando de fato na cultura local, tem sido uma experiência ainda mais enriquecedora, segundo ela. “A história do Quilombo do Jaó é muito interessante porque começa com quatro escravos que foram libertados, mas não tinham condições de subsistir. Dois abandonaram a região, um faleceu, mas o outro se fixou ali, deixando esposa e filhos. Essa família originou a comunidade que hoje conhecemos”, relata Fanny.
A coordenadora destaca a riqueza do artesanato confeccionado pelo povo. Mesmo com dificuldades financeiras para adquirir os materiais, quando conseguem, produzem belíssimos lenços de seda que encantam o olhar. “Eu levei apenas para mostrar, em aulas que ministrei em Piedade, e as alunas quiseram comprar todos”, destaca. Dentro da proposta de resgate cultural, produzem também a abayomi, ou bonequinha da sorte, feita pelas mães africanas, a partir das próprias vestes, e entregue como amuletos de proteção às crianças arrastadas para os navios negreiros.
Hoje, a comunidade quilombola vende seus objetos em Itapeva, mas a distância até a cidade dificulta um pouco a comercialização. “Precisamos fazer o caminho inverso: as pessoas virem até o quilombo para conhecê-lo”, defende Fanny. A Prefeitura também está empenhada nesta tarefa e definiu o trajeto do campeonato de mountain bike da cidade passando pela vila. Como resultado, “vários participantes da competição voltaram no dia 12 de outubro para levar brinquedos para as crianças”, cita a instrutora.
Venda de alimentos
Cada família tem sua pequena propriedade, onde produz vários itens para subsistência. “Eles estão começando a vender esses alimentos, gerando uma nova fonte de renda”, celebra Regia
Almeida, instrutora do SENAR-SP, que ministrou os cursos de “Requisitos Legais para o Processamento de Produtos de Origem Vegetal” e “Higiene, Manipulação e Produção de Alimentos Minimamente Processados”. Nestes módulos, eles aprenderam desde a seleção da matéria prima, passando pela sanitização, até técnicas como o branqueamento, que permite o congelamento e garante maior durabilidade.
“O curso de requisitos legais, que é condição para o de ‘alimentos minimamente processados’, é bastante denso, pois abordamos toda a legislação envolvida. O interesse e a atenção deles foram notórios, mesmo com a complexidade das aulas”, revela a instrutora. A exemplo de Fanny, Regia se declara impressionada pelas virtudes de quem acompanha as aulas. “São alunos muito interessados, que participam das aulas voluntariamente porque querem uma vida melhor”, define.
Com o estímulo das instrutoras, os quilombolas já começam a vislumbrar novas oportunidades para valorização da cultura local. “Antes só fazíamos o roteiro turístico na Semana da Consciência Negra. Hoje estamos aprendendo a agregar valor ao artesanato, à gastronomia e ao turismo”, comemora Kemilin, tesoureira da Associação de Produtores Rurais do Quilombo do Jaó.
A valorização da autoestima possibilita ganhos para toda a comunidade, mas também o resgate de sonhos pessoais. Rogeria Camargo é uma das alunas do curso de Turismo Rural que se dizem bastante empolgadas com o aprendizado. “Eu estou muito satisfeita porque já aprendi muitas coisas, inclusive a dialogar mais com as pessoas. Tem sido uma experiência incrível”, define. Ela comemora a geração de renda com a venda de itens que aprendeu a confeccionar no curso e já começa a planejar a retomada dos estudos, interessada em cursar Administração de Empresas. Que assim como Kemilin e Rogeria, muitos quilombolas possam experimentar essa mudança de vida proporcionada pelos cursos do SENAR-SP.
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