Mais visibilidade e voz para a mulher do campo
O Dia Internacional da Mulher Rural (15/10) é momento para celebrar o empoderamento feminino. A FAESP apoia e incentiva o protagonismo das mulheres no campo. Essa matéria especial relata as experiências de várias delas sobre a importância da capacitação, da união entre as produtoras rurais e da participação sindical.
“Eu não nasci debaixo do pé de café, tive que estudar muito. Estudei em cursos e em visitas a propriedades, tanto no Brasil como no exterior. Acredito que a atuação das mulheres no agronegócio já acontece há bastante tempo, mas o que vem mudando é que agora nós temos mais visibilidade e voz”, declara Daniella Pelosini, uma premiada produtora de café de Pardinho. Ela faz parte do grupo de mulheres que dirigem propriedades agrícolas ou pecuaristas no Brasil, que somam 19%, segundo o Censo Agro, realizado em 2017 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Visando destacar e ampliar o empreendedorismo feminino neste cenário, a Federação da Agricultura e Pecuária no Estado de São Paulo (FAESP) instituiu a Comissão Técnica Semeadoras do Agro, oficialmente lançada em março deste ano, e composta por 14 integrantes, entre elas 11 presidentes de sindicatos rurais. “Nosso objetivo é fortalecer o empreendedorismo da mulher no campo, valorizando suas competências e sua autoestima”, define Juliana Farah, vice-presidente da Comissão, vice-presidente do Conselho Superior Feminino da FIESP-CONFEM e vice-presidente do Instituto Virada Feminina.
Entendendo que a capacitação é fundamental para gerenciamento do próprio negócio, como mostra o depoimento de Daniella, a Comissão motiva as mulheres a participarem dos cursos oferecidos pelo SENAR-SP (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Nos módulos de 2021, as alunas somaram mais de 57 mil, representando 43,3% do público. Embora o número de pessoas do gênero masculino ainda prevaleça, nota-se que a presença feminina nas ações e atividades do SENAR-SP vem ganhando destaque. “As mulheres são muito engajadas, tanto nos cursos quanto nas reuniões do Sindicato. Em alguns módulos, temos 90% de participação feminina”, diz Luciane Correia, coordenadora do SENAR-SP no Sindicato Rural de Pardinho, acrescentando sua percepção de que, cada vez mais, elas estão assumindo o comando de propriedades rurais.
“No último curso do SENAR-SP de que participei – aplicação de medicamentos em equinos – havia 10 mulheres e apenas dois homens. Isso mostra que nós estamos em busca de aprender todos os procedimentos e diminuir nossa dependência em relação a terceiros”, analisa Venaria Vivan, produtora de gado de corte em Pardinho.
O exemplo de protagonistas determinadas e bem-sucedidas tem forte influência sobre outras, conforme relata a vice-presidente da Comissão da FAESP. Por onde passam, as Semeadores do Agro coletam depoimentos de personagens femininas inspiradoras e os divulgam em suas redes sociais. “Após um evento com o Sindicato Rural de Pirajuí, publicamos o relato de uma jovem de 23 anos, que foi a primeira a fazer o curso de tratorista do SENAR-SP em sua região. Em poucos dias, surgiram outras 15 interessadas nessa capacitação”, conta Juliana.
Importância da união
Além de interessadas em ampliar seus conhecimentos, as mulheres que atuam no agronegócio percebem a importância de somarem forças. Um levantamento realizado pela empresa Fran6 Inteligência de Mercado mostra que 57% delas participam de grupos e associações. “Em cada evento, conseguimos reunir, em média, 150 mulheres. Fizemos uma reunião em Ribeirão Bonito, onde havia três participantes que sonhavam em se tornar empreendedoras rurais. Apenas algumas semanas depois, tivemos o feedback de que elas já arrendaram uma propriedade”, celebra Juliana. Nos encontros com as mulheres, além de fomentar a capacitação, a Comissão orienta também sobre as linhas de crédito disponíveis, em parceria com o Banco do Povo. “É fundamental a atuação dos Sindicatos Rurais, fornecendo o apoio para que elas acessem todos os recursos disponibilizados pelo sistema FAESP/SENAR-SP e pelo SEBRAE-SP”, analisa a dirigente.
A trajetória da produtora Daniella confirma a importância de se caminhar ao lado de outras parceiras. “Sempre fui envolvida com a Casa das Mulheres. Fui a primeira tesoureira da IWCA Brasil [Aliança Internacional das Mulheres do Café], que agora comemora 10 anos. Desde que comecei a atuar nas entidades, percebi a força das mulheres e como elas são articuladas”, analisa Daniella.
Ela iniciou no setor aos 18 anos. “Sempre tive muito foco no trabalho. Se houve preconceito, ao longo desses 35 anos, eu estava trabalhando tanto que não percebi”, brinca Daniella. O café produzido no sítio que leva seu nome ficou entre os três melhores do Brasil, em uma premiação conferida pela renomada empresa illycaffè. Também conquistou o título de campeão regional no projeto Florada Premiada, da empresa Três Corações, que valoriza as produtoras nacionais. Além de ter sido uma das premiadas no 4º Concurso de Café Especiais da “Cuesta Paulista”, promovido pelo Sindicato Rural de Pardinho em parceria com o sistema FAESP/SENAR-SP.
“Para atuar no mercado de cafés especiais, a mulher tem um diferencial que é ser mais detalhista, ter um olhar mais cuidadoso”, define a produtora. No estilo de administração, elas também se destacam. “Eu percebo que, nas propriedades lideradas por mãos femininas, a rotatividade de funcionários é mais baixa. Acredito que elas têm um bom ‘jogo de cintura’ ao lidar com as pessoas, o que traz mais fidelização de quem trabalha com elas”, define a coordenadora Luciane.
Sucedendo os pais
Muitas das mulheres que atuam no campo sucedem os pais, assumindo a propriedade familiar com todos seus desafios. Foi o caso de Venaria, que, aos 15 anos, perdeu o pai e se viu diante do dilema: tocar o Sítio Atalho Couxo ou abandoná-lo. “Eu e minha mãe decidimos ficar no sítio. Um ano antes, eu havia feito o curso Jovem Aprendiz Rural, pelo SENAR-SP, e isso me ajudou muito”. Analisando as contas do sítio, ambas tomaram a decisão de migrar do café para o gado de corte. Decisão super acertada: de uma produção deficitária, hoje elas têm um bom retorno financeiro.
Venaria, sua mãe, Santa, e o marido, Edmar, realizam todo o trabalho que a propriedade demanda, sem funcionário algum. “Depois que eu me casei, com meu marido ao lado, percebi que, em algumas circunstâncias, passei a ser mais respeitada, mas eu nunca me intimidei”, diz a jovem de 26 anos. Quando perguntada se pensou em desistir, ela afirma categoricamente que “não”. Atuante no Sindicato Rural de Pardinho e aluna assídua de vários cursos do SENAR-SP, ela faz questão de encorajar outras mulheres que também decidiram empreender no campo: “diante de qualquer desafio, não desistam”.
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